Após um processo intenso de formação e de cerca de 480 reuniões envolvendo 10 tribunais ao longo de mais de um ano, o projeto Rede Justiça Restaurativa foi concluído no fim do mês de junho. Desde o início de 2020, o CDHEP atuou como entidade parceira responsável pela implantação e execução da iniciativa, que integrou o Programa Fazendo Justiça – parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com o apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
O projeto Rede Justiça Restaurativa foi uma de várias iniciativas desenvolvidas pelo Programa Fazendo Justiça para lidar com os desafios relacionados à internação de adolescentes e ao encarceramento de adultos em massa no Brasil – focando suas ações estratégicas nas causas dos problemas, dentre as quais estão questões estruturais, como o grande número de pessoas privadas de liberdade no país, o racismo, as violências de gênero e as desigualdades econômicas/sociais.
Assim, o projeto teve como proposta contribuir para o fortalecimento da Justiça Restaurativa (JR) em sintonia com a política nacional instituída pelo Comitê Gestor de Justiça Restaurativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para tanto, trabalhou na estruturação e/ou fortalecimento de órgãos e serviços de JR nos Tribunais, da rede de garantia de direitos e da sociedade civil para atuação nos Sistemas de Justiça Criminal e Juvenil, e nos Sistemas Penitenciário e Socioeducativo em dez Tribunais (Tribunais de Justiça do Acre, Alagoas, Amapá, Ceará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima e Rondônia, e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Seção Judiciária de São Paulo).
Para o acompanhamento do projeto, além de Mariana Pasqual Marques, Joanne Blaney, Petronella M. Boonen, Gustavo de Oliveira Antonio, Luís Fernando Bravo de Barros e Kelly Santos, já pertencentes ao quadro do CDHEP, foram contratadas seis facilitadoras para acompanhar dois tribunais: Débora Eisele Barberis (Amapá e TRF3/São Paulo), Jaycelene Maria da Silva Brasil (Acre e Rondônia. Posteriormente, com a saída de Jaycelene, Karin Zerwes Kansog entrou para a vaga;, Savina Priscila Rodrigues Pessoa (Ceará e Piauí), Suerda Gabriela Ferreira de Araújo (Paraíba e Rio Grande do Norte) e Ana Karine Silva Almeida (Alagoas e Roraima).
Adequações devido à crise sanitária
Por conta da chegada da pandemia da Covid-19, justamente quando o Rede Justiça Restaurativa começava a se desenvolver, o desenho inicial do projeto – que se estruturava basicamente em atividades de formação, sensibilização/articulação e realização de práticas de JR presenciais – precisou passar por adequações, sem, contudo, alterar os objetivos desejados. Assim, desde maio de 2020, as capacitações presenciais foram substituídas pelo mapeamento/levantamento de redes locais de cada tribunal e reuniões on-line com cerca de 80 pessoas dos dez tribunais participantes.
Vale detalhar que a formação que se estendeu ao longo de todo o Projeto foi dividida em três blocos: 1º) Justiça Restaurativa e Redes: introdução, articulação, construção, fortalecimento e política pública, com 70 participantes e carga horária total de 60 horas; 2º) Capacitação Nacional do Projeto Rede Justiça Restaurativa – metodologias, questões estruturais, experiências e vivências práticas, com 73 participantes e carga horária total de 45 horas. 3º) Facilitação de Práticas de Justiça Restaurativa: estudo de casos, articulação com o Sistema de Justiça, pré-círculos, círculos, articulação da rede, com carga horária total de 78 horas. Este bloco consistiu na parte do tratamento de casos, da qual participaram 61 pessoas.
Assim, as pessoas ligadas às equipes dos Tribunais que iniciaram em maio de 2020 e concluíram em maio de 2021 receberam uma formação teórica e prática de 183 horas, o que lhes permitiu uma visão ampla e profunda sobre as possibilidades e os desafios de tratamento de casos por meio da JR.
Além dos encontros de formação, ao longo de todo o projeto, as equipes dos tribunais foram acompanhadas por profissionais do CDHEP. Essa interação englobou reuniões e diálogos constantes, auxiliando as equipes dos tribunais, por exemplo, a realizar ações de mapeamento, sensibilização, articulação, formação e fortalecimento da rede local.
Articulação e trabalho em rede
Falando em termos numéricos, o trabalho em conjunto com as equipes locais resultou em 28 webinários, com a participação das redes interna ao Sistema de Justiça e externa, somando 2176 participantes.
A partir de agosto de 2020, o CDHEP assessorou 484 reuniões nos Tribunais. Destas, 101 tiveram como pauta preponderante a discussão de casos em vista de procedimentos restaurativos (envolvendo estudo, seleção, explicação, reflexão, preparação dos casos e demais fases).
Ao longo do projeto foram registradas pelo menos 40 reuniões com a rede interna do Sistema de Justiça (magistradas(os) não participantes do Rede JR, Ministério Público, Polícias, Defensoria Pública, advocacia) e 36 com a rede externa.
O CDHEP também apoiou as equipes locais no desenho e na estruturação da política pública de JR em cada tribunal, por meio de reuniões de articulação, acompanhamento da elaboração dos planos de implantação enviados ao CNJ e pela disponibilização de materiais auxiliares seguindo as diretrizes do Planejamento da Política Pública de Justiça Restaurativa do Comitê Gestor de JR do CNJ.
Em 2021 houve continuidade no apoio aos tribunais. Além do prosseguimento de formações e da articulação de redes, as equipes se dedicaram à escolha de casos nas ambiências abrangidas pelo projeto – Sistema de Justiça Criminal (fase de conhecimento e execução) e Sistema de Justiça Juvenil e Socioeducativo (pré-processual, apuração de ato infracional e execução de medida socioeducativa) –, pensando em aspectos e possibilidades de atuação.
A partir dos casos selecionados e estudados, as equipes desenvolveram novas articulações com outros atores do Sistema de Justiça para viabilizar e legitimar juridicamente a abordagem dessas situações conflitivas por meio das práticas de JR. Em seguida, profissionais do CDHEP realizaram um reforço metodológico on-line – de forma excepcional, devido às restrições impostas pela pandemia da Covid 19 – com as equipes do projeto, no que diz respeito aos pré-círculos, às práticas restaurativas de Processos Circulares, Encontro Vítima-Ofensor-Comunidade e Conferência de Grupo Familiar. Essa etapa de formação abrangeu, ainda, exercícios e reflexões sobre os casos previamente selecionados, além de abordar a arte de facilitar práticas de JR.
Com os caminhos jurídicos processuais articulados e viabilizados com os atores do Sistema de Justiça, e a formação para facilitação em JR completa, as equipes dos tribunais se dedicaram ao trabalho diretamente com os protagonistas dos casos, entrando em contato com as partes envolvidas e realizando os procedimentos previstos nas práticas de JR. Neste ponto, o CDHEP atuou junto à equipe de cada tribunal auxiliando nos desenhos dos fluxos e na supervisão dos casos, seguindo sempre as orientações do CNJ e os contextos locais.
Posteriormente, os desfechos das práticas de JR de cada caso deveriam ser comunicados formalmente nos processos judiciais; seus eventuais acordos, legitimados juridicamente pelos atores do Sistema de Justiça; além de passarem por sistematização de dados e estudos por parte das equipes dos tribunais e do CDHEP.
Todas as etapas do projeto foram sistematizadas pela equipe do CDHEP e, em breve, esse aprendizado estará reunido em uma publicação digital que fará parte da série de matérias de conhecimento do Programa Fazendo Justiça.
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